IX – A porta

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O que é uma porta? Para o que se abre e se fecha? Qual seu sentido? Que segredos ela guarda? Que mistério é esse Arcanos Urbanos? Porta número 9, número 9, número 9…

Para começar, vamos bater em uma porta muito especial.

Toc, toc, toc.

A porta se abre. Quem nos recebe é o mestre dos magos, acolhedor dos errantes, cigano Fuão. Ele nos convida para um chá de ervas escuras, e com semblante enigmático, nos entrega o pergaminho de todas as portas[1].

Porta. Substantivo feminino. Frequentemente o utilizamos para nos referirmos tanto à abertura quanto à folha que fecha essa abertura. A porta é tanto o vão, a abertura, o umbral, como também é a folha, de metal ou madeira por exemplo, que se posiciona de maneira a abrir ou fechar o vão. A porta-folha oculta ou revela o sentido da porta-vão. Assim, a porta desempenha o binarismo do signo, do sentido do aberto e fechado, do visível e do oculto.

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A porta é um dispositivo que tanto pré-vê – com seus olhos mágicos ou câmeras – quanto privê – como sinônimo de propriedade privada, de privacidade, espaço íntimo, seleto – e que também pré-para uma passagem.

Mais do que reparar no substantivo, façamos uma torção, e pensemos um pouco na relação da porta com o verbo portar: como verbo transitivo direto, significa trazer consigo (algo) enquanto se movimenta; levar, carregar, transportar. Também pode significar estar vestido com; trajar, vestir, usar. Como verbo pronominal traz o sentido de agir, proceder socialmente; comportar-se. E como verbo intransitivo se refere a chegar a um porto ou lugar; aportar.

Parece que a porta porta um sentido para além da porta. E isso nós temos que suportar.

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A porta então, seria uma espécie de veículo, tal qual a metáfora (lembram-se do nosso arcano 2, o ônibus, nossa metaphorai?), um elemento de deslo(u)camento, análoga a uma ponte que permite a passagem de um lado a outro. Portar, levar de um lugar ao outro, é transpor. Portar é sempre uma transposição, um transporte, para além. Dessa maneira, a porta é sempre um ando, um indo, um estando, um gerundiando, nunca se é ou se está realmente na porta, mas caminhando, atravessando.

Há portas, portões, portais e porteiras. Não importa o que porta, importa que há portas para tudo. Há porta-tudo, porta-luvas, porta-retratos, porta-canetas, porta-aviões…  Há importação e exportação (até de portas), há o porta voz, o portable, os portáteis, o repórter, o porteiro. Portas de vidro que permitem ver através, portas de madeira, portas vitral, portas automáticas, portas de correr, portas levadiças, portas embutidas, portas vaivém. Há portas até com olhos, mágicos. Numa casa há portas externas, portas internas, internas do interno. Há também portas terríveis que nos conduzem ao inferno do humano, como as portas das prisões e as portas giratórias dos bancos.

Parece que o mundo todo passa, ou já passou, obrigatoriamente, pelas portas. Pelas portas, pelos portos, pelos aeroportos. Pelas aberturas em fim. As portas gestam o mundo, portam no transcorrer uma gestação. A mulher porta uma sagrada porta. Tudo passa pela porta do feminino, a origem do mundo, a vagina, ou o corte cirúrgico.

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Ela é também a boca do rosto-fachada dos nossos edifícios. Não só a boca, mas também os olhos, os ouvidos, o nariz, a porosidade da parede e da casa. Os buracos é que transferem os odores, os sons, e as paisagens de dentro para fora e de fora para dentro.

A porta é estrutura e fundação, por ela tudo sai e tudo retorna, se faz existente. A porta, o buraco, o vão, é a fundação da arquitetura, o fundamento do habitável. Não é a fundação de pedra, ou estaca cravada na terra, ou mesmo a parede, que define (encerra) o sentido de morar, o involucro incomunicável, mas sim, a abertura que se faz nela, a abertura ao mundo. Sem porta não há arquitetura, não há existência. Ela é o sentido, sentido sem sentido.

Inegavelmente, as portas têm um grande poder de atração. Elas são sedutoras. Atraem para si tudo o que caminha e tudo o que deseja atravessar uma fronteira. Elas são como um gargalo que traga tudo em seu redemoinho, traga controlando, como um registro, um diafragma.

A porta constitui-se como um lugar limite, uma borda, umbral, sombra, uma fronteira; aberta ou fechada, ela é sempre o anuncio de uma fissura, uma fratura na continuidade do espaço. Situar-se em frente a ela é colocar-se no limite do espaço da espera, da chegada.

Uma porta aberta revela um interior, a entrada na penumbra dos interiores. Nesse estado, ela junta, conecta e comunica mundos, espaços ou situações. Ela transporta o que está lá para cá, e o que está aqui para lá, trazendo a novidade. Quando fechada, encarrega-se de ocultar, guardar mundos, espaços ou situações. Nesse estado, ela é o próprio abismo da comunicação.

A porta conecta, mas também separa. A porta aporta mas também aparta.

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Fechada, ela é tal qual a muralha. As vezes quer ser muro sem poder ser, porque tem que se abrir e fechar, segundo um desejo que não lhe pertence; as vezes quer ser parede e, tal como uma porta secreta, se disfarça.

As portas controlam o que entra e o que sai. Elas são reveladoras das hierarquias e do quanto estamos todos, cada dia mais, compartimentados, seccionados, isolados nos espaços contemporâneos mediados pelas portas. E os cadeados, as chaves, as senhas? Quem as possui? Quem são os que chegam e que atravessam? Quem são aqueles para quem as portas estão sempre fechadas, embora cinicamente abertas?

Mas a porta é sempre mistério. Como mistério se tranforma em arcano, e de arcano number nine passa a ser indagada no nosso cotidiano, iluminado pela lua quarto crescente.

***

Nessa semana, a cigana se atrasou pois estava no Rio de Janeiro ciganeando pela primeira vez. Nessa deriva muitas estrelinhas brilharam de fato. Compartilho, portanto, a musica que abriu o show do Radiohead, que por coincidência (ou mágica) é cheio de portas, portões, portais e errâncias:

E além disso, essa foi a mesma semana que a PF divulgou a operação GATEKEEPERS que apura fraude em fundo que administra recursos de obra do nosso Cais Mauá, que também é uma porta nesse nosso Porto Alegre… apenas para constar, e questionar, quem são os keepers dos nossos portais urbanos….

Como vemos, a porta não é inabalável em seu sentido. Elas mudam de significado a cada vez que batemos nela.

PROPOSIÇÃO DO ARCANO A PORTA:

Por quantas portas passamos diariamente quando vivemos numa cidade? E que portas são essas? Quais estão fechadas ou abertas? E para quem se abrem ou se fecham? A semana do arcano nove convoca a todos os jogadores a interrogar portas, sejam elas óbvias ou nem tanto.

A ação do arcano 9 não está clara, ela é em si uma abertura, de maneira que cada jogador precisará investigar e inventar um modo de se relacionar com os seus portais cotidianos. Na dúvida, bata, toc toc toc. Veja se as portas se abrem, veja que territórios elas comunicam e contem para a cigana. Quem sabe conseguimos juntos revelar esse mistério urbano.

AS ESTRELAS DO ARCANO:

Quem quiser somar estrelinhas mágicas, pode mandar o percurso do rolê especial numero 9 através do aplicativo strava (5 estrelas); pode mandar um texto enriquecido com devaneios e narrativas da experiência (6 estrelas); pode contruir vídeos – quem sabe o vídeo Daydreaming possa ser uma referência sequencial dos nossos atravessamentos (4 estrelas), fotos (2 estrelas), áudios (2 estrelas).

Para receber as estrelas da cigana é só enviar os elementos que você puder recolher dentro do seu pequeno possível para arcanosurbanos@gmail.com (pode usar o drive, sendspace ou wetransfer).

Uma saudação especial a todos os errantes! Que os portais do mistério se abram!

number nine number nine number nine! Optchá!

e Fortuna!

[1] Fernando Fuão. A porta. In: In: Vieceli, Ana Paula; Fuão, Fernando Freitas. (Org.). Coleção Querências de Derrida, moradas da arquitetura e filosofia – Vol. 5: A Porta, a ponte, o buraco, um orelhão. Porto Alegre: Pallotti, 2016.

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